Na briga com o WhatsApp, teles tentam “pedalada” técnica

23/08/2015 13:18

Esta semana, a agência Reuters publicou, com exclusividade, a notícia de que as operadoras de telecomunicações pretendem entregar para as autoridades brasileiras, em dois meses, um documento com embasamentos econômicos e jurídicos contra o funcionamento do aplicativo WhatsApp. Esse documento questionaria o fato de a oferta do serviço, inclusive de voz, se dar por meio do número de telefone móvel do usuário, e não através de um login específico como é o caso de outros softwares de conversas por voz, como o Skype, da Microsoft.

O argumento das operadoras, segundo a Reuters,  é o de que o número de celular é outorgado pela Anatel e as empresas de telefonia pagam tributos para cada linha autorizada, como as taxas do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), o que não é feito pelo WhatsApp.

O argumento é válido? Não, apressaram-se em afirmar a Anatel e uma penca de advogados especializados em Direito Digital e de Telecomunicações. E a explicação, invariavelmente, recai sobre o fato de o serviço de voz prestado pelo WhatsApp ser um serviço de voz sobre IP (VoIP). Portanto, através da rede de comunicação de dados e não da rede de voz. Tanto é assim, que  o serviço de ligação de voz do WhatsApp só permite a realização de chamadas para outros usuários que tenham o aplicativo, como bem lembra a advogada especializada em direito digital do escritório Assis e Mendes, Gisele Arantes.

Mas e quanto ao uso do celular para autenticação? Afinal não é aí que recai o questionamento das operadoras? Também sobre esses aspecto técnico o argumento é falho. Quer conferir?

Pegue seu celular antigo (sem o chip da operadora) e faça o download do WhatsApp. Ative usando o número do seu celular, tendo o aparelho novo (com o chip da operadora ativo) por perto. É nele que chegará o SMS do WhatsApp com o código de validação do serviço. Espere a verificação ser completada no aparelho antigo, onde o WhatsApp foi recém instalado. Dará erro.

Repare bem na tela da mensagem de erro. Nela o WhatsApp te dá opção de digitar o código de ativação.  Pegue o código do SMS recebido no telefone novo e digita. Pronto. Seu WhatsApp estará habilitado no celular antigo e fora de uso no aparelho novo. Agora, conectado à rede WiFi, experimente fazer uma chamada de voz para um de seu contatos. Voilà!

Sabe por quê funciona? “Porque o WhatsApp usa o número do telefone como forma de autenticação e de propagação na rede de dados. O número do telefone é o endereço de rede único, inequívoco. Em teoria, a titularidade do contato está garantida”, explica Fernando Neves, especialista em redes sem fio e country manager da AirTight Networks.

Funcionaria, da mesma forma, se o número usado fosse o da sua conta bancária. O SMS com o código seria enviado para o celular associado à sua conta, e a autenticação seria validada. Exatamente como acontece com o novo sistema de geração de chaves de segurança do Bradesco, por exemplo.

Nos dois casos, a rede de voz é usada somente no momento do envio do SMS. “Ao usar um número inequívoco, como o número do celular onde o app está instalado, o que o WhatsApp está fazendo é cumprir três requisitos: o legal, o de mercado e o técnico”, afirma Neves. Do ponto de vista técnico, a explicação já está dada. Do ponto de vista legal, o WhatsApp assegura que ter feito o razoável para identificar o usuário. Do ponto de vista de mercado, facilita o uso. Quantas vezes você já esqueceu a senha do Skype?

Portanto, o que o WhatsApp faz é apenas usar um dos mais modernos modelos de autenticação, em substituição ao login e senha,  para garantir a prestação do serviço. O Viber usa um modelo de autenticação muito parecido, também atrelado ao número do telefone.

Além disso, não é o número do celular que é objeto da outorga, e sim o serviço de telefonia móvel, que é prestado através de uma plano de numeração que segue as recomendação da UIT.

“Acho absurdo as operadoras terem chegado a pensar que a Anatel iria regular o aplicativo, pois não é um serviço de telefonia e sim um aplicativo”, afirma Gisele Arantes.

“Mas entre os argumentos absurdos e ilógicos que temos visto, em relação aos novos serviços digitais, esse das operadoras está dentro da média!, completa Neves.

Onde mora o perigo?
Confesso que, diante de tudo isso, estou curiosíssima para saber detalhadamente quais são os embasamentos econômicos e jurídicos que a fonte da Reuters afirma estarem sendo preparados pelas operadoras.  Qual será a “pedalada” técnica? E se as quatro maiores  operadoras, concordarão integralmente? Afinal de contas, Claro e Tim oferecem planos de dados com uso gratuito do WhatsApp para troca de mensagens de texto. As chamadas de voz são devidamente descontadas da franquia do pacote de dados contrato pelo usuário. E, diga-se de passagem, voz no WhatsApp fora do WiFi, só funciona onde o sinal 3G ou 4G é muito bom e com um pacote de dados parrudo.

“Se as operadoras estão deixando de ganhar com serviços de voz por conta desses apps, por outro lado acontece um aumento na demanda pelos serviços de dados. “Esses serviços precisam de Internet para funcionar, então um acaba compensando o outro. Esses serviços aumenta a demanda por dados. Ou seja, um pacote pequeno de dados não me permite usar esse serviço de voz do WhatsApp”, lembra Gisele Arantes.

Claro que, às vésperas da realização do 59º Painel Telebrasil, onde as operadoras se reúnem para discutir a evolução dos modelos de negócio das telecomunicações, o tema estará em pauta. E o corporativismo pode falar mais alto, se todas eles estiveram convencidas de que a batalha contra o WhatsApp pode ser decisiva na guerra pela regulamentação e tributação  dos chamados serviços OTT (over-the-top), ou prestados acima da camada da Internet, na rede de dados, como é o caso da voz sobre IP (VoIP), como também do vídeo on-demand (VOD). Lembrou da Netflix? Pois é!

Desde 2013 o Ministério das Comunicações é simpático à ideia de regulamentar e tributar serviços OTT (over-the-top), como os oferecidos hoje pela Netflix e iTunes Store, da Apple, sobretudo fora do país, como forma de buscar um ambiente competitivo e regulatório com igualdade de condições com as operadoras de TVs por assinatura.

Na gestão Paulo Bernardo, o caminho apontado para isso era mexer na definição e regulação do Serviço de Valor Adicionado (SVA), guarda-chuva que abarca todo e qualquer serviço prestado sobre a Internet, e sobre os quais não recaem as obrigações legais como as da Lei do SeAC ou obrigações tributárias.

Agora, na gestão Berzoini, “o ministro dos aposentados”, o mantra passa a ser o da atualização de todo o modelo de regulação adotado em 1997. Entre as atualizações, o próprio Berzoini chegou a defender em audiência pública na Câmara a regulação de serviços de internet que competem com os serviços de telecomunicações regulados pela legislação brasileira. O alvo, nesse caso, seria a Norma 4, de 1995, que define a Internet como Serviço de Valor Adicionado, e não um serviço de telecomunicação.

Segundo o ministro, é preciso resolver as “assimetrias regulatórias e tributárias” e dar “tratamento equânime” a serviços de telecomunicações e os serviços chamados “Over the Top” (como Skype, Netflix, You Tube, WhatsApp).

“É preciso encontrar uma maneira – que não é fácil, porque são serviços que se apoiam na rede mundial de computadores – para regular algumas atividades que atuam à margem da lei. Por exemplo, aplicativos que fornecem chamadas de voz sem serem operadoras”, afirmou.

Segundo o ministro, as operadoras de telefonia, que têm muitas obrigações regulatórias e poucas oportunidades de prestar serviços diferenciados, geram emprego e investimentos no Brasil. Já as empresas de internet estrangeiras, que ofereceriam serviços supostamente gratuitos em troca de dados do usuário, não gerariam empregos no País. “Esse tipo de serviço subtrai empregos do povo brasileiro”, afirmou.

“O setor de telecomunicações tem que ter viabilidade econômica de médio e longo prazo. E, se os serviços de internet passarem a competir e subtrair receitas, evidentemente que teremos daqui a 10 ou 15 anos dificuldades grandes de infraestrutura no País.”

É… Vem uma briga boa por aí. E ela pode inclusive fazer com que desafetos políticos se unam no Congresso em torno da defesa do lobby das teles. Afinal de contas, nessa matéria, parece que o governo e o presidente da Câmara estariam do mesmo lado.

A ver.

- See more at: https://idgnow.com.br/blog/circuito/2015/08/22/na-briga-com-o-whatsapp-teles-tentam-pedalada-tecnica/#sthash.BlgwuY6i.dpuf